A mãe águia decidiu
que aquele seria o dia de iniciar o jovem filhote na sociedade das Águias.
Teria que lhe
mostrar que ser Águia é ser diferente de qualquer outro ser. É ter que voar
sempre mais alto que os outros.
Levou-o para fora
do ninho. Há meses que o jovenzinho vivia ali, protegido, recebendo tudo
pronto, ora do pai ora da mãe. Ninguém vinha incomodá-lo. Mãe ou pai, sempre um
deles estava nas redondezas protegendo-o, cobrindo-o de plumas, trazendo-lhe
iguarias das mais variadas e sempre gostosas.
Ao transpor as
paredes do ninho, titubeou. Epa! Não estava acostumado a caminhos diferentes. A
mãe sorriu e resistiu à tentação materna de ampará-lo.
Era necessário que
o jovem filhote fosse sentindo seus limites, suas forças e fraquezas. Afinal, a
única imagem que sempre tivera era a do pai e da mãe. Águias no sentido pleno
da palavra é símbolo da imortalidade, do ser vivo sem limites em busca do
inacessível aos humanos; símbolo da visão que consegue perscrutar o
inescrutável, o invisível, o espiritual, tal qual João, o Evangelista, que
conseguiu ver Deus no Verbo e o Verbo, que é Deus, feito Homem; símbolo do
poder que paira nas alturas, bem acima do mortal e destrutível, assumido pelo
Deus como guia em meio da elevação espiritual; símbolo da imortalidade e dos
que conseguem sobrepujar a todos e a tudo, mesmo à morte e, por isso, visto
pelos gregos, como a figura mais próxima da realidade de Zeus, o Deus grego
todo poderoso;
Enfim, pensava a
jovem mãe, tinha que passar para o jovem filhote toda essa história da
dinastia, sem se esquecer, é claro, dos povos e grandes conquistadores que
decidiram ostentar, em seus escudos e em seus brasões, a figura altiva, de asas
amplas, abraçando o universo, de olhar perscrutaste, fixo no horizonte, de garras
afiadas que tanto atacam quando defendem. Mas, também, o símbolo da fidelidade
amorosa, fiéis, há anos, um ao outro, curtindo o mesmo ninho, sempre o mesmo,
mas sempre renovado tanto no tamanho quanto na beleza (para o nascimento do
filhote, forrara tudo com folhas novas bem verdes…)
Não seria muita
responsabilidade para aquele ser ainda tão novo, frágil, desconhecedor das
tristes realidades da vida, das quais nem a Águia, por mais acima de tudo que
consiga voar, estará livre? E se ela só lhe contasse os grandes feitos da
dinastia: como seu pai a conquistara numa luta jamais vista, como seus irmãos
mais velhos conseguiram superar todos os iguais, conquistando espaços cada vez
maiores. O dia em que ela mesma trouxera para o ninho uma presa, um bicho preguiça,
de peso igual ao seu. Como mãe Águia que se preze, não poderia esconder as
verdades. Águia não tem medo da luz, sabe voar alto e, quando preciso, é capaz
de voar rasteiro bem próximo à presa. Quando define um alvo, lança-se tal qual
flecha certeira e veloz em direção a ele. O céu e a terra lhe são comuns.
- Meu filhote, hoje
começa um novo momento em sua vida. Até agora, em seu ninho, você viveu como
qualquer ave, dependente, frágil, protegida, sem grandes horizontes. A única
diferença é que você tinha uma mãe e um pai que são Águias. Começa para você a
“Era da Águia”.
- Mãe, o que vou
ter que fazer para ser Águia? Onde estão às outras aves, os outros animais?
- Em primeiro
lugar, meu filhote, você vai ter que aprender a Ser uma Águia. Terá que se distinguir
até de todas as outras Águias. A nossa dinastia é a da Águia Real. Somos aves
como qualquer outra. Temos limites, tanto no céu quanto na terra. Também
morremos, ou de morte comum ou perseguida pelos caçadores. Os caçadores fazem
de tudo para nos abater.
- E como vou me
defender se estou com medo? Pensei que fosse viver sempre ali naquele ninho.
- Meu filhote,
repare em suas garras e veja as minhas. Diferentes, não? É uma questão de tempo
e de exercício constante. Servem para a vida e para a morte. Dão-nos firmeza e,
na hora da luta, são nossas armas. Veja meus olhos. Os homens cientistas não
entendem como, mesmo localizados do lado da cabeça, conseguimos ter um raio de
visão tão amplo.
- Estou olhando
para baixo e só vejo um abismo.
- Olhe seu pai, lá
longe. Veja a velocidade com que se está projetando para a terra: vai em
direção àquele coelho que está a sair da toca. Logo, estará trazendo a refeição
de hoje. Você precisará exercitar a visão. Olhos todos seres vivos têm, mas
Visão de Águia só nós. Olhe para o sol.
- Não dá, disse o
filhote, desviando o olhar. A luz é muito forte. Ofusca.
- Ser Águia é ser
capaz não só de fitar o Sol como, até, de voar em sua direção, como se quisesse
alcançá-lo. Ter Visão de Águia é ser capaz de ir das profundezas a sublimidade
da vida, superando-se sempre. Nosso olhar tem o brilho do sol, da luz superior.
- Olhe o tamanho de minhas asas quando eu as abro. Parece que nós, Águias, queremos assumir o espaço todo aqui em cima. Abraçar o mundo. Você as terá, também, continuou a mãe, ao perceber que o filhote olhava para as suas próprias asas tão pequenas ainda. Elas nos permitem alçar vôo a alturas que outras aves não conseguem. Apenas os homens, com suas máquinas, nos conseguem imitar e superar.
- Olhe o tamanho de minhas asas quando eu as abro. Parece que nós, Águias, queremos assumir o espaço todo aqui em cima. Abraçar o mundo. Você as terá, também, continuou a mãe, ao perceber que o filhote olhava para as suas próprias asas tão pequenas ainda. Elas nos permitem alçar vôo a alturas que outras aves não conseguem. Apenas os homens, com suas máquinas, nos conseguem imitar e superar.
Eles mesmos sempre
sonharam voar, mas nunca conseguiram. Você terá que aprender a voar. O Vôo de
Águia em direção ao sol, ao inescrutável, àquilo que os outros não conseguem
ver nem olhar. Como João, o Evangelista, que via Deus onde os outros viam
simples criaturas.
- Deixe-me ver,
mãe, se entendi tudo. Para ser Águia de verdade terei que desenvolver a visão
dos detalhes e do todo para conseguir enxergar o que os outros não vêem,
melhorar minha capacidade de voar baixo em busca de alimento e em direção ao
sol para manter sempre vivo o brilho do meu olhar, reforçar minhas garras como
meio de firmar-me onde estou e como instrumento de sobrevivência. Mas, há um
detalhe, você ainda não me ensinou a voar.
Nesse instante, a
jovem mãe, de forma decidida, com suas asas, empurrou, sem pensar duas vezes, o
jovem filhote em direção ao vácuo. Espantado, desorientado, desordenadamente, o
filhote foi descobrindo que voar era seu destino. E sentiu que valia a pena ser
Águia. Olhou para o sol e, na mesma direção, viu o pai e a mãe voando juntos.
Nesse instante, sentiu que era uma Águia.
Começara para ele a
Era da Águia. Um novo tempo. Uma nova forma de viver.
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