"O foie
gras (pronúncia [fwɑ
gʁɑ], ou "fuá-grá") – termo que em francês significa "fígado gordo" – é o fígado de um pato ou ganso que foi super-alimentado. Junto com as trufas, o foie gras é considerado uma das maiores iguarias da culinária francesa. Possui consistência amanteigada e sabor mais suave
em relação ao fígado normal de pato ou ganso.
Antiguidade
Até o início do Século XXV a.C. é possível que os
antigos egípcios procurassem os fígados
engordados das aves migratórias como uma iguaria. Eles rapidamente aprenderam que muitos
pássaros poderiam ser engordados através da superalimentação e começaram a
prática em gansos. Na necrópole de Saqqara, a tumba de Mereruka, um
importante oficial real, contém um baixo relevo de uma cena onde escravos
apertavam o pescoço de gansos para empurrar-lhes pelotas de comida goela
abaixo. Ao lado dos escravos havia pilhas com mais pelotas, provavelmente
feitas de grãos, e um frasco com água para umedecê-las antes de dar aos gansos.
A prática de engorda de gansos se espalhou do Egito
para a região mediterrânea. As referências mais antigas a
gansos engordados datam do Século V a.C. do poeta grego Cratino, que escreveu sobre os
"engordadores de ganso". Mas o Egito ainda manteve sua reputação como
fonte de gansos engordados. Quando Agesilau II (r. 400–360 a.C.), rei
de Esparta, visitou o Egito em 361 a.C., ele foi presentado com fígado
de ganso pelos ricos fazendeiros egípcios.
Entretanto, até o período romano o
foie gras não havia sido mencionado como uma comida distinta, até que os
romanos lhe deram o nome iecur ficatum, que em Latim significa literalmente
"fígado de figueira". Plínio, o Velho, credita ao gastrônomo romano Apício (a quem um livro de
culinária da planta é atribuído) a alimentação de gansos com figos para
aumentar seus fígados. Daí o termo iecur ficatum, "fígado
estufado de figo". O termo ficatum ficou tão associado
com o fígado do animal que se tornou a raiz das palavras fígado em português, foie em francês, higado em espanhol, ficat em romeno e fegato em italiano, todas denominando aquela parte
do animal.
A ideia de alimentar gansos com figos pode ter sido
trazida de Alexandria, já que
a alta cozinha romana se inspirou nos gregos.
Europa
pós-clássica
Após a queda do Império Romano, os gansos foram temporariamente
banidos da cozinha europeia. Diz-se que os fazendeiros gálicos preservaram a tradição de
fazer foie gras por séculos até que ela foi redescoberta, entretanto, esta
teoria não tem evidências plausíveis, uma vez que é sabido que as fontes de
carne da França medieval foram principalmente o porco e a ovelha.
É mais provável que o foie gras tenha sido
preservado pelos judeus, que teriam aprendido o método
após a colonização de Israel pelos
romanos. Os judeus teriam levado a tradição à medida que migraram para o norte
e o oeste. O Kashrut, que contém as leis da dieta judaica, os proibia de usar
óleo feito à base de gordura de porco para cozinhar, e a manteiga não era uma alternativa, já
que também era proibido misturar laticínios e carnes. Os judeus
utilizavam azeite na
região mediterrânea e óleo de sésamo na Babilônia, mas nenhum era fácil de se
encontrar nas regiões oeste e central da Europa, então passaram a usar gordura
de aves domésticas, que podiam produzir em quantidade através de gansos
super-alimentados.
A suavidade do sabor desse fígado foi rapidamente
apreciado, fato atestado por Hans Wilhelm Kirchhof de Kassel que escreveu em 1562 que os judeus extraíam
gordura dos gansos e particularmente apreciavam o fígado. Rabinos se preocuparam com as complicações
éticas de
super-alimentar gansos e comer seu órgão inchado, e a questão permaneceu uma
das mais debatidas da lei da dieta judaica até o gosto pelo fígado de ganso
decair no Século XIX.
Gastrônomos não-judeus começaram a apreciar o
fígado de gansos engordados, que eram comprados em guetos de judeus. Em 1570, Bartolomeu Scappi, cozinheiro
do Papa Pio V,
publicou seu livro de receitas Opera, onde ele conta que "o
fígado dos gansos domésticos é inchado pelos judeus a tamanhos e pesos
extremos, chegando a mais de 1 kg". Em 1581, Max Rumpolt de Mogúncia, cozinheiro de muitos
nobres alemães,
publicou o volumoso livro de receitas Kochbuch, contando que os
judeus da Boêmia produziam
fígados pesando 1,5 kg. Rumpolt mostrou várias receitas usando esses
fígados, uma delas um mousse.
A França é o "lar" do foie gras: 80% da
produção mundial (16 370 toneladas em 2003, 96% de pato e 4% de ganso) e
98% do processamento ocorrem na França, 30 000 pessoas estão envolvidas na
indústria, com 90% residindo na região de Périgord (Dordogne) e Midi-Pyrénées,
no sudoeste, e também no leste (Alsácia). A União Europeia reconhece o foie gras produzido
de acordo com os métodos tradicionais das fazendas (label rouge) no
sudoeste da França.
Em Quebec também está prosperando a
indústria do foie gras. Muitos cozinheiros canadenses usam foie gras de Quebec
como uma demonstração de orgulho nacionalista.
Métodos de Produção
Patos e gansos são onívoros e, como muitos pássaros,
possuem gargantas bastante elásticas, que se expandem e os permite armazenar
comida no esôfago (também
chamado de "papo" das aves) enquanto espera a digestão no estômago. Na natureza, essa dilatação os
permite engolir alimentos grandes, como peixes inteiros, para um longo
processo digestivo. Um pato selvagem pode dobrar de peso no outono, acumulando gordura por seu
corpo, especialmente no fígado. Esse ganho de peso é inteiramente reversível,
tanto no animal selvagem quanto no doméstico.
Os gansos ou patos utilizados na produção do foie
gras são inicialmente criados soltos, comendo em gramados para fortalecer o
esôfago. Enquanto ainda caminham livremente, é introduzida gradativamente uma
dieta com alto teor de amido, que por
si só aumenta o peso do fígado em 50%.
A fase seguinte, chamada pelos franceses de finition
d'engraissement (complementação do processo de engorda), envolve
ingestão ou alimentação forçada durante os últimos 12 a 15 dias de vida para
patos e 15 a 18 dias para gansos. Durante essa fase, os patos são geralmente
alimentados seis vezes por dia, e os gansos oito vezes. A alimentação é ministrada
por um tubo, de 20 a
30 cm de comprimento, introduzido
forçadamente até o esôfago do animal. Se utilizado um eixo helicoidal, o processo dura de 45 a 60segundos; Se usado um sistema pneumático, apenas 2 ou 3 segundos. Quase
todos os produtores, atualmente, utilizam-se do segundo método. É tomado
cuidado durante a alimentação com a integridade do esôfago que, em caso de dano
pode levar facilmente à morte do animal.
A alimentação forçada explora da forma mais radical
possível um processo natural, através do qual patos e gansos armazenam gordura
em seus fígados em preparação para a migração de
inverno. A alimentação, geralmente milho embebido em manteiga para facilitar a
ingestão, causa uma grande acumulação de gordura no fígado, responsável pela
sua consistência amanteigada.
Patos utilizados na produção de foie gras são
geralmente Mulard, ou
seja, são híbridos obtidos de machos de espécie Cairina moschata
momelanotus,
pato-mudo, cruzados com fêmeas de Anas
platyrhynchos domesticus, pato-marreco ou marreco. Esses híbridos (Mulard)
são estéreis e
geralmente são preferido aos gansos, porque a carcaça deste possui mais valor;
outros usos desses patos incluem receitas populares como o confit de
canard.
Apresentação
Na França, o foie gras existe em algumas
formas definidas em lei. Da forma mais nobre para a menos nobre, temos:
·
foie gras entier (foie gras inteiro) –
feito de um ou dois lóbulos de fígado inteiros, podendo ser cozinhado (cuit),
semi-cozinhado (mi-cuit) ou fresco (frais);
·
foie gras – feito de pedaços de
fígado reunidos;
·
bloc de foie gras – um bloco moldado e
completamente cozido, feito de 98% ou mais de foie gras; se denominado avec morceaux(com pedaços),
pode conter pelo menos 50% de pedaços de foie gras de ganso e 30% de pato.
Além dessas formas de apresentação, existe o pâté e o mousse,
feitos de 50% ou mais de foie gras, e o parfait,
com 75% ou mais de foie gras, e outras apresentações não definidas em lei.
Formas completamente cozidas são geralmente
vendidas em latas de metal ou vidro para conservação por
um tempo mais prolongado. Um foie gras fresco e inteiro geralmente não está
disponível, exceto em alguns mercados das regiões produtoras. Algumas vezes são
encontrados foie gras inteiros e congelados em supermercados franceses.
O foie gras francês geralmente é preparado em
fogo baixo (terrine), já que o foie gras de ganso sofre grande
derretimento de gordura. O paladar norte-americano, acostumado ao foie gras de
pato (mais barato), o prepara em temperaturas mais elevadas. A recente
introdução do foie gras de pato na culinária francesa resultou em receitas que
misturam tradições de outros países. Em outras partes do mundo, o foie gras é
servido em formas mais exóticas, como o sushi de foie gras e o foie
gras em bifes.
O foie gras pode ser saboreado com trufas ou licores. É comumente servido
acompanhado por pães ou torradas. Muitas vezes é
servido com um vinho de sobremesa, embora
muitas pessoas o prefiram com vinho seco. O foie gras também pode vir
acompanhado por uma salada.
Consumo
O foie gras é um prato luxuoso. Muitas
pessoas na França o consomem apenas em ocasiões especiais, como o jantar de Natal ou réveillon, embora a crescente
disponibilidade de foie gras tenha baixado seu preço.
O foie gras de pato é mais barato e, graças à
maciça produção iniciada na década
de 1950 é, de longe, o mais
comum. O sabor do foie gras de pato é geralmente descrito como suave e
levemente amanteigado. O foie gras de ganso é notado por ser ainda mais suave.
Crueldade
Muitos contestam o método de alimentação dos
gansos e patos, considerando-os forçados e cruéis. Eles usam o termo gavage, que em francês
significa "estufado por alimentação em excesso" (e também é um termo
médico para a alimentação daqueles que não podem fazê-los sozinhos). Após
pressão política de organizações de direitos dos animais, certas jurisdições baniram a prática degavage.
Muitos produtores de foie gras não consideram
seus métodos cruéis, insistindo que é um processo natural que explora a
capacidade do animal. Eles argumentam que patos e gansos ingerem grandes
quantidades de alimento antes da migração. Salientam ainda que patos e gansos
não possuem o reflexo de engasgar, não sentindo assim nenhum desconforto.
No final de 2003, uma coalizão
francesa de grupos protetores dos direitos dos animais publicou a Proclamação
pela Abolição do Gavage, clamando que a prática de alimentação forçada já é
ilegal, baseando-se nas leis atuais de proteção aos animais na França e na
União Europeia. Entretanto, essas leis deixam muita margem à interpretação. O
Conselho da União Europeia publicou a Diretiva
98/58/EC em 20
de julho de 1998 concedendo proteção
aos animais das fazendas. A diretiva estipula que "produtores ou donos de
animais devem assegurar o bem dos animais e cuidar para que esses animais não
sofram desnecessariamente".
O relatório científico da União Europeia Comitê da Saúde
Animal Sobre Aspetos da Produção de Foie Gras em Gansos e Patos, adotado em 16
de dezembro de 1998 é um
relatório de 89 páginas de estudos oriundos de diversos países produtores. O
relatório aponta que a mortalidade dos animais aumenta de 10 a 20 vezes durante
o período de alimentação forçada. Além disso, enquanto as consequências da
alimentação forçada em pássaros é reversível, o "nível de esteatose deveria ser considerado
patológico".
O relatório da União Europeia também enfatiza
que a contínua alimentação forçada causa a morte prematura dos animais. Também
reconhece que os produtores não colocam os fígados de seus pássaros em um
estado patológico. O tempo de engorda dos fígados é cuidadosamente controlado
para que o animal seja abatido antes que haja risco à saúde. Um animal que pare
o processo de alimentação forçada retorna ao seu peso normal. Produtores e o
relatório também respondem às críticas da crescente mortalidade ao notar que a
mortalidade geral de patos e gansos na produção do foie gras é muito menor que
nas fazendas que engordam galinhas e perus.
Algumas afirmações fisiológicas alegadas
pelos produtores são contraditas no relatório da União Europeia. Em resposta ao
engasgo das aves, o relatório diz, "a área da orofaringe é particularmente
sensível e é fisiologicamente adaptada para produzir um reflexo de engasgo para
prevenir que fluidos entrem na traqueia. A alimentação
forçada teria que contornar esse reflexo, já que para as aves isso é forçoso e
pode ocasionar danos". Alguns críticos argumentam que os pássaros estariam
melhores se fossem sedados antes de serem
alimentados. Outros sugerem a remoção cirúrgica do fígado dos pássaros que
morreram de causas naturais e então inseri-los em soluções de gelatina, álcool
e manteiga.
Grupos de indústrias afirmam que a
alimentação forçada não é cruel e mesmo que os animais apreciam esse
tratamento. O comitê da União Europeia levou adiante vários testes para detetar
dor ou estresse através da observação dos hormônios e todos eles foram
inconclusivos ou sem diferenças significativas. O comitê não observou quaisquer
sinais de que os animais apreciavam a alimentação forçada, e observou que patos
tentavam fugir quando seu alimentador entrava na sala. Entretanto, veterinários
que trabalham em fazendas de foie gras têm observado um comportamento que
indica que os animais apreciam a alimentação forçada.
Alguns produtores de foie gras dos Estados
Unidos procuram proteção como "exceção cultural", semelhante às touradas no sul.
O foie gras é ilegal em muitos locais, e há
legislação pendente em outros. Em agosto de 2003, a Suprema Corte de Israel
declarou a produção de foie gras como crueldade animal, e tornou a produção
ilegal a partir de março de 2005. Em 29
de setembro de 2004, o Governador da Califórnia Arnold Schwarzenegger assinou uma lei que
irá banir a produção e a venda de foie gras oriundos de alimentação forçada de
aves a partir de 2012. A lei permitiria a
produção de foie gras por métodos considerados não-cruéis aos animais. Uma lei
similar está pendente no estado de Nova Iorque. Esses são os dois únicos estados nos
Estados Unidos com indústrias produtoras de foie gras".
A alimentação forçada é proibida nos
seguintes países:
·
Alemanha
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